Desde o início da colonização, o Brasil tem uma dívida impagável com a população negra. Os alicerces do nosso país foram construídos com base na exploração, e a abolição da escravatura em 1888, embora celebrada como um marco de liberdade, foi, na verdade, apenas o início de uma nova forma de abandono. Os negros foram libertos na teoria, mas esquecidos na prática. Sem terra, sem educação, sem emprego, sem futuro — e, desde então, sem política pública efetiva que os tirassem da margem da sociedade.
Essa exclusão histórica criou um cenário de desigualdade que, ainda hoje, é a raiz da violência que assola o Brasil. A periferia — negra, pobre e esquecida — virou o alvo preferencial do sistema penal e policial, ao mesmo tempo em que é ignorada pelos sistemas de educação, saúde e desenvolvimento econômico. O que vemos nos noticiários é apenas a consequência da ausência de ações estruturantes. São jovens mortos, famílias destruídas, comunidades traumatizadas.
É nesse contexto que nascem histórias como a do adolescente que disse à professora que sua maior qualidade era ser traficante, e seu maior defeito, fumar maconha. Ele sustentava a mãe com o dinheiro do crime, segundo disse, não por escolha, mas por falta de uma alternativa. É o retrato mais cruel da falência das políticas públicas. É o reflexo do abandono social que molda as trajetórias de milhares de jovens negros, rotulados como perigosos quando muitas vezes, são vítimas.
Os dados são alarmantes. Em cidades como Jequié, onde mais de 25% da população tem entre 15 e 29 anos, exatamente o perfil das vítimas de homicídios apontado pelo Atlas da Violência. Quando o recorte é racial e geográfico, os números se tornam mais gritantes: quase 90% dos mortos nas periferias são negros, muitos destes, filhos da exclusão e da negligência.
Não podemos continuar enxergando a violência como uma questão de polícia. É uma questão de política! Não é apenas sobre combater o tráfico, mas sobre garantir escolas de qualidade, oportunidades de trabalho, acesso à cultura, lazer e cidadania. Não se combate o crime com armas apenas — se combate com dignidade, com inclusão, com justiça social.
É hora de cobrar. Cobrar dos nossos representantes políticas públicas que realmente enxerguem a juventude negra como parte da solução, não do problema. A violência não nasce nas favelas. Ela nasce da falta de oportunidades, da negação de direitos, da perpetuação de um racismo estrutural que insiste em silenciar aqueles que mais precisam ser ouvidos.
Enquanto o Brasil insistir em virar o rosto para sua história, continuará enterrando seu futuro. E esse futuro tem cor, tem endereço, e está pedindo socorro.
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